segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Desabafo

Isto vai acabar mal. Estou farto de dar voltas ao assunto, de tentar arranjar alguma maneira de poupar os outros, mas as paredes fecham-se à minha volta. E só uma coisa é certa: doa a quem doer, isto vai acabar mal.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Os corvos

No monturo de mim pousam corvos em bando. Negros e sinistros, soturnos e ferozes, desfazem com bicos férreos a lixeira do que sou. Estes retalham com método o fígado, aqueles arrancam pedaços de pulmões que já pouco valem, e outros, tantos outros, encarniçam-se sobre o coração sem lhe dar repouso. Os órgãos imprestáveis retorcem-se, sangram, e pedem um socorro que não virá jamais.

Contra tamanho bando tenho apenas uma lâmina, instrumento pobre e lastimável para tão momentosa tarefa. Os cortes sangrentos não os alcançam, e apenas logram distraí-los por momentos breves, demasiado breves. Urge cortar mais fundo, penetrar a carne já putrefacta que reveste a estrumeira onde eles se refastelam.

Ainda estou longe, muito longe, mas vou chegando mais perto. A lâmina entra melhor na carne, o sangue peçonhento escorre, e os corvos quedam-se num susto mais ponderado. Um dia chegarei finalmente a eles, e num golpe súbito destroçarei o bando maligno. Então, poderei por fim apodrecer em paz...

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sepulcro

Quatro paredes sem porta nem janela, claustro desprovido de água e comida e amor. Quatro paredes e uma faca, brinquedo que nada mais é. Uma faca é fácil demais quando há tanta coisa para pôr em ordem, papéis e burocracias e toda uma vida para arrumar. E leva tanto tempo, meu deus! Tanto tempo!

Quando terá fim este túnel desordenado? Quando poderá a faca deixar de ser um brinquedo? Quando cumprirá ela a sua função de entalhar as quatro paredes de uma caixa mais pequena, mais adequada às minhas dimensões? Eu não ocupo assim tanto espaço, e perco-me de mim na vastidão destas quatro paredes que nunca terão outra saída.