segunda-feira, 11 de julho de 2011

Balcão do Café.

Uma Super Bock, claro, e talvez, não sei, um daqueles folhados. O objectivo era a cerveja, mas são horas de jantar, e o estômago vazio agradece decerto o folhado acrescentado à encomenda. Por entre a bebida e a mastigação, reparo numa mosca que se passeia pelo tampo de vidro do contador, e que circum-navega os círculos de cerveja deixados pelo copo transbordado. Sopro-a para a convencer a voar, mas ela não parece disposta a tal, é bem possível que leve já um grãozinho na asa.

Outra cerveja, já sem o álibi alimentar, pois não me apetece comer mais folhados, e a mosca parece concordar comigo, quando esquiva as migalhas do pastel e submerge, de probóscide em riste, no lago ampliado da cerveja. Consumo a minha própria bebida enquanto ela mal fez mossa na sua, são estas as consequências de se pesar mais de uma centena de quilos, em vez de meros miligramas. Farto de cerveja, encomendo um brandy!

A mosca descobriu o brandy, e caminha agora para ele, com aquele passo hesitante que o álcool de uso impõe ao espírito virado para a reflexão. Parece lançar contas à sua vida, sem que a soma lhe agrade particularmente. Supomo-la a pensar no moscardo com quem saiu duas ou três vezes, e que impulsivamente expulsou da sua vida, quem sabe se terá sido sensata. Ele bem mostrara não ser digno de confiança, mas a sua companhia divertia-a, não teria sido talvez melhor mantê-la, e o que é que eu estava a pensar, que me perdi agora? Num passo arrastado, a mosca adentra o círculo de brandy, que começa a percorrer num circuito degustativo. Farto-me de a contemplar, e dedico-me à televisão, que transmite um jogo de futebol. Farto-me ainda mais disso, e volto à mosca, em atenção a quem peço outro brandy.

Agora sou eu que penso na vida, com todas as suas complexidades. Cada aspecto novo leva-me a beber mais um golo, e depressa a soma dos aspectos esgotou o cálice. O que sobrou está sobre o balcão, na forma de um círculo que a mosca pesadamente percorre. O meu espírito brinca ainda com a ideia de mais um cálice, mas verifico que exauri já os meus recursos, pelo que pago a conta e me preparo para sair.

Lanço ainda um último olhar à mosca, que percorre sempre a mancha de brandy, como que a lembrar-me ironicamente que até para ser um bêbado é preciso ter dinheiro. Isso, ou ser um artrópode.