Nestes tempos já maduros do fenómeno informático, aqueles de nós que viram nascer e crescer estas tecnologias, e acompanharam as mudanças sociais que elas trouxeram, não podem deixar de lamentar com alguma nostalgia a quase extinção desse animal bruto e terno, o Ciber-Pateta. Se bem que incómodo e frequentemente irritante, o Ciber-Pateta emprestava à info-paisagem um encanto todo próprio, e que foi parte integrante desses tempos de mudança.
Quem é o Ciber-Pateta? A espécie sempre foi variada, há que admiti-lo, e nem todos os seus membros apresentavam os mesmos traços. Uma característica era todavia comum a todos – o impulso irresistível, frenético e incontrolável, de terminar a leitura de cada mail com um clique no botão de Forward. Por mais incrível, disparatado, ou completamente falso, o Ciber-Pateta partilhava. Com Forward. Para toda a lista de endereços. Toda, e com os endereços em aberto. Quando alguém mais informado lhe ensinava a usar o Bcc, ele agradecia, com Reply All, evidentemente. E depois não usava, mas voltava a agradecer!
De vez em quando, uma alma mais bem-intencionada, ou menos paciente, não se conseguia impedir de responder a um Forward mais descabelado. Com toda a diplomacia que conseguia reunir, lá lhe explicava que a história dos animais sem cabeça nem pés usados para fazer hambúrgueres não tinha de facto pés nem cabeça; que esses animais, mesmo que conseguissem existir sem cabeça, custariam certamente muito mais que as tradicionais vacas; e que, de resto, tudo aquilo não tinha ponta por onde se lhe pegasse.
A resposta não se fazia geralmente esperar, e era invariavelmente um enérgico “Mas tu não julgas que eu acredito mesmo naquilo, ou achas que eu sou parvo?”. A alma bem-intencionada abstinha-se então de produzir uma resposta à última pergunta, com base nas provas dadas, e optava antes por acenar a bandeira da paz. O Ciber-Pateta perdoava e esquecia, porque no fundo o Ciber-Pateta sempre foi um animal cordato, e não se falava mais nisso. No outro dia, mandava-nos um Forward afirmando que a mais recente versão do Windows estava cheia de mensagens subliminares com que Bill Gates tencionava dominar o mundo, estabelecendo uma frente de ataque tripartida com base na América do Norte, na Arábia Saudita, e na Póvoa de Santo Adrião. A alma bem-intencionada tinha entretanto aprendido a sua lição, e já não se metia a responder.
Uma característica bem reveladora da modéstia da espécie era a sua tendência para se declararem inábeis em matéria de informática. A prolixidade dos seus mails facilmente desmente tal asserção. Note-se que a capacidade de programar em Assembler ou VBA não é uma “habilidade” – é uma profissão, tal como ser mecânico de automóveis ou piloto de aviões. Ninguém se considera menos hábil para embarcar num avião por não o saber pilotar, nem se considera um condutor incapaz por não conseguir reparar um motor. Como utilizador, o Ciber-Pateta sempre foi habilíssimo. Só para o que queria, é claro.
O que aconteceu então a esse simpático ruminante? Bem, aconteceu-lhe a blogosfera. E depois aconteceram-lhe as redes sociais. E com essas alterações do modelo de comunicação global, o Forward caiu em desuso. Isto não é brincadeira, o Forward é o habitat natural desta espécie, é a impunidade e o álibi para comunicar seja o que for sem assumir responsabilidade por nada. Se alguma razão tiver de ser evocada para fazer aquele Forward, está sempre disponível a razão óbvia – alguém o fez antes, ou ele não o teria recebido.
Escrever um artigo num blogue, ou publicar um link num FaceBook, é já um acto de iniciativa, e traz implícito um envolvimento de quem o faz com a veracidade do tema abordado. O autor pode estar enganado, e todo aquele conteúdo ser falso, mas é preciso que esteja pelo menos plausivelmente enganado. Publicar um link e depois afirmar que não se acredita em nada do que se publicou é assumir-se publicamente como um imbecil. E isso não é nada próprio do Ciber-Pateta, que – para começar – nunca assumiu coisa nenhuma. E sempre foi isso que lhe deu o encanto.