Sísifo empurrou a rocha, que como sempre rolou até ao sopé do monte, onde se deteve. Agora era sempre a subir, ombros e mãos metidos à tarefa árdua, todo um empurra daqui, não deixes cair dali, mais um metro vencido à escarpa, menos um metro que fica a faltar até ao topo. O caminho é familiar mas nem por isso menos traiçoeiro, e a rocha parece sempre encontrar formas novas de se fazer mais pesada, e renovada malícia no esgueirar-se das mãos que a pretendem suster com firmeza. Mas lá vai subindo, aos poucos e poucos, e aqui temos outro metro superado.
Não tem planos intermédios o declive, mas sempre se encontra aqui e além uma aresta mais saída, precário apoio do penedo que permite a Sísifo algum descanso dos músculos abusados, e uma mão livre com que enxugue o suor da testa, enquanto inspira fundo o fôlego com que há-de arrancar a próxima etapa. Metro após metro, quando não sejam meros centímetros, que sendo progresso tudo vale, mas etapa a etapa, vai-se aproximando o cume.
São sempre os piores, aqueles metros derradeiros em que a escarpa mais semelha uma parede a pique, quase sem suporte para a rocha que assenta agora quase por inteiro nos seus ombros. Mas os músculos retesam-se, a vontade endurece, e a montanha é por fim vencida. A rocha equilibra-se triunfante no topo, para logo rolar livremente pela vertente oposta. Sísifo omite a custo uma palavra menos digna, e segue-a até à planície onde por fim a rocha se põe em descanso.
Sem desanimar, volta a empurrar a rocha para junto da montanha. Já prestes a empreender nova subida, detém-no a voz estridente que se faz ouvir de longe: “Sissi, pára lá de brincar com essa pedra e anda lavar-te, que o almoço está pronto!”. Há que acorrer ao chamado, e a rocha lá fica, rochedo de Sísifo que não se aparta do chão. Por enquanto, que haverá de ter fim o almoço, e novas tentativas se seguirão logo à tarde.