quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pedra

Por onde ando, é pedregoso o terreno. Deserto que me contém, feito de poeira e calhaus e aridez. A pedra é poeira que assentou e endureceu, devagarinho, durante muitos anos. Não tem mistério, é só pó e nada, um nada seco e duro.

Fora do deserto, nada há senão pedra. Pedra lisa e dura, cintilando num brilho de arestas cortantes. A pedra é lava que arrefeceu, rigidez do que um dia foi fluido. Não tem mistério, é apenas fogo que já não arde, e que tudo arrefece em sua volta.

E eu vou sendo de pedra também, sedimentando a cada maré que vasa e não retorna. Só este coração granítico continua a bater, e não tem sequer a decência pétrea de se imobilizar. Para que bate ele, o canalha?

(isto daria um epitáfio bonito se eu acaso morresse hoje. Palavras que o cinzel insensível gravaria com gosto na pedra destinada a cobrir outra pedra, aquela pedra em que eu finalmente me assumiria, sem veleidades de ser outra coisa qualquer.)

Deixemo-nos de asneiras: peguem em mim de uma vez por todas e ergam-me numa praça qualquer, sobre um pedestal baixinho, enfeitado por ilegível placa que finja narrar um arremedo de vida. Sempre será mais uma fotografia a juntar à coleção de qualquer turista consciencioso, com os filhos em pose rodeando o mamarracho. E quando não estiver a servir nessa vocação, para dar à pedra fria um pouco de calor e vida, que os pombos me caguem em cima enquanto passam voando, sem pensarem sequer no que fazem.