Há que enterrar os nossos palhaços, se queremos manter um ar sério... até os elefantes, antes de morrer, têm o cuidado de o fazer em sítio adequado...
sábado, 12 de outubro de 2013
Parce Sepultis
Tu por aqui? Homem, estava bem longe de te ver. E ainda bem que te encontro, que já me sentia a fazer papel de parvo aqui parado. Estes velórios são uma seca. Eu o que foi, foi terem-me apanhado desprevenido, e já não fui a tempo de inventar uma desculpa. Ouve lá, ao menos sabes quem é o morto?
Sim, eu sei que é o que está deitado no caixão lá ao fundo, não te faças de parvo. Também não conheces? Eu nem sei se conheço se não, disseram-me que era um tipo lá do banco, um gajo que toda a gente conhecia. Eu também sou gente, portanto devia conhecer, mas o nome não me diz nada. Parece-me que ouvi alguém dizer há bocado que o gordo estava cá, mas ainda não o vi. Talvez ele saiba, é gajo para isso.
E o que tens feito, que já não te vejo há meses? Pois, o costume, isso é o que eu também faço. Espera aí, talvez esta aqui saiba alguma coisa sobre o morto. Desculpe, minha senhora, conhece por acaso… não, não conhece. Ninguém conhece, pelos vistos. E contudo dizem que era um tipo conhecido. Por acaso não viu por aí o gordo? Sim, parece que está cá. A fazer o quê? Não faço ideia. Nunca soube o que faz ele. Onde quer que esteja, ninguém sabe nunca quem é ele ao certo, ou o que está a fazer ali. Acho que nem o nome dele sabem, por isso é que todos lhe chamam o gordo.
Fui há tempos a um almoço, e lá estava ele, com o seu ar de palerma bem-intencionado. Era um aniversário, e não estranhei vê-lo ali, mas reparei que toda a gente se afastava um bocado dele, e o olhavam de soslaio, como quem não está bem certo de conhecer ou não uma pessoa. Ainda tentei perceber como se chamava, mas não ouvi ninguém trata-lo pelo nome. Só dias mais tarde é que vim a saber que era ele o aniversariante. Quando o voltei a encontrar, ainda pensei em dar-lhe os parabéns, mas ele disse um disparate qualquer, e perdi a vontade de falar no assunto.
Aparece em todo o lado, e agora que o queremos ver, ninguém o encontra. Afinal ninguém o viu, só dizem que alguém disse que ele estava cá. E isto do morto está-me a fazer espécie. Vou lá dar uma espreitadela.
Não vais acreditar nisto, pá. O gajo no caixão é o gordo! Bem diziam que ele estava cá. Olha, pelo menos agora já ninguém tem de se preocupar em saber o nome dele. Ouve, temos de pôr a conversa em dia. Queres combinar um almoço?
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