domingo, 13 de dezembro de 2009

Noite

Crepúsculo de sombras, penumbra de agoiros,
Noite velha e repetida, noite gasta,
Noite farta e repisada, onde só a lua é nova.
Já não tenho medo, mas sinto frio.

Nem alegria, nem tristeza aqui já moram,
O sentir escureceu enfim, embotou de bruma.
E só a longes alveja a branca mortalha
De algum fantasma antigo, agora morto.

Não existem lágrimas na escuridão,
Ou se as há, que importa isso?
O pranto cai nas sombras como a árvore na floresta,
E se ninguém o escutar, ele não caiu.

Dizem que é ainda Verão, e faz calor.
Mas não vejo mais surgir a alvorada.
Está a ficar mais escuro, e faz mais frio.
Tanto sol lá fora, e eu de noite!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Imaginary Friend

Tell me, stranger, will you be my friend?
(Though I’m not sure it can be done at all).
But can you gaze upon my barren soul,
And explain to me, in a soothing whisper,
That there’s no reason why this soul should wilt,
And yet no earthly power can prevent it now?

Will you be my voice when I can no longer howl?
Can you lend me your eyes, should tears dry out in mine?
Will you cry in my stead, knowing not why should I wail,
No more than I do, or dare pronounce?

Is it becoming for a friend, is it even proper,
In such a positive world, of facts and sound matter,
To extend me a hand, to share a ghostly burden,
And help me mourn a grief of non-existence?

If you do exist, my friend, if you indeed are real,
And fret not too much over proper ways,
If you dwell not in excess on sane behavior,
And can accept ghastly ghouls that shall remain unnamed.

Then grasp my hand, do come and share my pain deceased,
Nurture my empty sorrow, and taste my hollow tears.
Behold my aimless journey, but do not follow after!
Do what you do, stay off that path of voidness!
Just sit along, and let your sweet voice fill my day.
It shall keep me company, maybe… just maybe…

And I will be your imaginary friend.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Aqui Jaz

Alguma coisa morreu hoje. Não estou bem seguro do que terá sido, nem tenho sequer disponível o relato do post-mortem, que se referiria de resto a um cadáver que nem foi ainda encontrado. Na ausência do corpus delicti nada pode ser presumido, mas eu mantenho ainda assim a minha ideia, minto, queria dizer a minha convicção: alguma coisa morreu hoje, e se calhar convinha enterrá-la.

Seria decerto um exagero presumir aqui um crime, ou mesmo uma inconveniência: o que não falta por aí são mortes que apenas redundam no bem geral, vejam-se por exemplo os casos da ténia e do mosquito, ou de certos políticos. A morte não é certamente um problema, não enquanto se não souber com certeza o que morreu. E isso é coisa que desconheço ainda.

Mas tenciono conhecer, e poucas dúvidas me restam de que lá chegarei. Posso eventualmente ter sido eu, caso que não convocará grandes preocupações: basicamente, será apenas outra machadada num cadáver que já ultrapassou qualquer tipo de preocupação com esse tipo de golpe, e de resto qualquer outro tipo, ou qualquer outro golpe.

Ou pode ter sido uma morte diferente, a morte de uma obsessão. Essa poderia ser uma morte interessante, e posso realmente imaginar-me a investigar uma morte desse género. A investigação seria obviamente peada por duas condicionantes, a saber: a. A obsessão morreu de facto? E evidentemente b., Morta a obsessão, o que resta?

O que resta, de facto? Talvez escrever posts, posts sobre a morte de algo.

Alguma coisa morreu hoje. Gostava de estar errado, mas posso ter sido eu.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Mahjong

Nada que fazer, como de costume. Apenas o computador, onde cada vez há menos que fazer, e tudo se começa a resumir a mais um jogo de Mahjong. O Mahjong é um jogo simples, onde se faz mister emparelhar peças, de entre uma infinidade de escolhas diferentes. Nada a fazer, como já foi dito, é mesmo preciso jogar. Comecemos o jogo.

Numa janelinha a um canto, ficamos a saber que temos dezanove opções. Uau, dezanove! É sempre assim que começa, e raramente nos detemos a considerar que não há realmente dezanove opções, que muitas dessas se excluem mutuamente, e se escolhermos A em vez de B ou C, não poderemos mais voltar a escolher B, nem muito menos C. Mas as dezanove opções embriagam-nos no início do jogo, e quem é que se vai mais lembrar de pormenores como esse?

Há opções mais importantes que outras, e julgamos escolher bem. Mas deixamos muitas vezes de ver alternativas, para além das muitas que estão tapadas, e só serão reveladas depois da escolha estar feita. Quando menos nos precatamos, os números caíram a pique, e temos apenas quatro ou cinco opções. É aí que começamos a suar.

Tentamos manter as nossas opções em aberto. Esta escolha é óbvia, mas não conduz a nada de novo, e o número de opções caiu para três. Aquela parecia fundamental e não era, abriu só um caminho enquanto fechou outro, e os valores mantêm-se. Aquela parece subitamente a resposta a uma prece, as escolhas possíveis saltaram para sete, mas cada jogada que se segue baixa o contador. De repente, já só temos uma opção, que avaramente jogada conduz a mais uma, e vamos vivendo da mão para a boca. Previsivelmente, chegamos àquela que a nada conduz, e damos connosco a ler a mensagem, “Não tem mais opções, o jogo acabou”.

É um ponto sem retorno, o fim do jogo. Olhamos para o tabuleiro que não vai mais mudar, enquanto distraidamente ouvimos vozes que animadoramente sugerem que as coisas podem ainda evoluir, pode sempre aparecer uma nova opção. É claro que as coisas podem mudar, e também é possível que eu venha a ser rico, ou que viaje até à Lua. Sejamos contudo honestos, quantas vezes é que isso de facto acontece?

As opções esgotaram-se, e o tabuleiro lá está montado a um canto, fixado na última posição, na que não tem já saída. Todas as escolhas estão feitas, agora basta apenas limpar-lhe o pó de vez em quando. Um dia, tarde ou cedo, virá mão caridosa desmontá-lo e metê-lo numa caixa destinada à prateleira. Que seja agora ou depois, é indiferente. O jogo já acabou, e eu perdi.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

É permitido sonhar.



Hoje sonhei que estava vivo!

São coisas esquisitas, os sonhos. Tudo pode acontecer num sonho, e geralmente acontece, mas por uma qualquer razão, ou então por outra, a coisa nunca é bem assim. Pelo menos, nunca é exactamente assim, para além de obviamente não ser realmente assim.

O onírico episódio foi caracteristicamente vago. Teve o seu início num momento indeterminável, que eu situaria pelas 13:32, e terminou numa altura que só remotamente sugeria serem 15:41. O resto esbateu-se na imprecisão que o emoldurava, e lhe servia de ex-libris.

Não foi sequer um sonho muito colorido: não tinha elefantes dançarinos, tigres comedores de gente, ou acrobatas voando mortalmente de trapézio em trapézio. Pouco tinha, na realidade, e confesso que não recordo mais do que uma imagem, a de duas pessoas juntas. Lembro-me que conversavam, e gostavam de estar ali juntas, e de serem apenas uma. Só momentos depois reparei que era eu uma delas, e que estava vivo. Foi quando percebi que sonhava.

Tudo nesta vida tem um fim, excepto a salsicha, que tem dois. Também eu acordei, às 15:41, e retomei a minha morte pouco interessante, e sem funeral digno de nota. Mas ainda me lembro do sonho, e especulo se tal coisa poderia um dia acontecer na vida real. É apenas um disparate ocioso, claro, sonhos são apenas sonhos.

Sonhei que estava vivo, hoje. Quando contei a história a um colega junto à máquina de café, ele não se deu por achado e contou-me ter sonhado que era rico. Acabámos a rir-nos os dois, com o disparate que são os sonhos...