Há que enterrar os nossos palhaços, se queremos manter um ar sério... até os elefantes, antes de morrer, têm o cuidado de o fazer em sítio adequado...
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Pausa
Não era um dia bom. Poucos dias o eram, nos últimos tempos, mas aquele estava a ser particularmente mau. Foi trabalhar como em todos os dias, porque era isso que fazia sempre. Teria nesse dia especial dificuldade em responder a quem lhe perguntasse por que razão era isso importante, qual o motivo para continuar a fazê-lo. Ninguém lhe perguntou nada disso, como seria de esperar. Não são perguntas que se façam, ou se devam sequer fazer.
Mas não começou logo a trabalhar. A tristeza não costumava ser um entrave, mas há limites para a quantidade de tristeza que se pode suportar. A tristeza, mas também o vazio, a falta de objetivo. Não porque não tivesse objetivos, mas porque deixara já de acreditar que algum objetivo valesse a pena. Os colegas viram-no sentado na secretária, fitando com olhos mortiços o telefone que tocava, mas ninguém lhe disse nada.
Sentia uma ansiedade estranha, a ânsia do que não podia existir. Não ansiava pelo inatingível, apenas pelo impossível. Algo que desse sentido a uma vida absurda, tão irrelevante como todas, tão oca que nada a podia começar sequer a encher. Procurou uma razão que o impedisse de abrir a pequena faca que guardava na gaveta e cortar os pulsos com ela, mas não foi capaz de achar nenhuma.
O facto é que também não havia qualquer razão para o fazer, num mundo em que não há qualquer razão para fazer seja o que for. Nada mudaria, porque nenhuma mudança permanece. O sangue seria limpo da secretária, coisa que numa perspetiva cósmica nem sequer faria diferença, e o universo continuaria a sua marcha estúpida e acéfala em direção a coisa nenhuma.
Quando não vale a pena fazer nada, o melhor é continuar com o que quer que se esteja a fazer, e no caso dele era o trabalho. O trabalho tem de ser feito, e nem vale a pena perguntar porquê, não se dê o caso de não haver resposta.
Saiu da sua abstração com um suspiro que soprou para longe o universo. Recolheu a tristeza à gaveta das coisas inúteis, aquela gaveta que nunca se abre porque não vale a pena abri-la, e concentrou-se no trabalho. Engoliu o coração que lhe batia na garganta, calmou a respiração que arquejava. A vida era de novo uma coisa normal, desde que não se pensasse demasiado nisso. Com um sorriso quente na voz, atendeu finalmente o telefone: “Linha de prevenção do suicídio, boa tarde. Fale comigo.”
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