Há que enterrar os nossos palhaços, se queremos manter um ar sério... até os elefantes, antes de morrer, têm o cuidado de o fazer em sítio adequado...
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Horizonte
Um sorriso quente, um olhar amigo, uma mão que se dá com ternura. Um momento fugaz, sempre curto demais, antes que a mão se solte e o olhar se desvie. O sorriso é uma memória, uma recordação que se esvai. A mão fica vazia, e é tudo.
Ou um dia que não se deixa fechar em si mesmo. Há um desejo de agir, de ter alguém, de ser outro que não se pode ser sozinho. Mas não é boa altura, as pessoas têm planos, e o dia das pessoas normais não tem espaços vazios para momentos de improviso. O desejo morre só, e não há mais nada.
Talvez haja noutro dia, talvez haja luz e riso e música que dance connosco, música que não grite sobre o lado sinistro de nós. Mas as luzes vão esmorecer como os risos, a música vai deixar um silêncio que só se preenche com os acordes infernais que entorpecem a mente. O intervalo acabou, e nada fica.
E se ficar alguma coisa, será talvez um beijo. A alucinação multicolor de uns lábios suaves que enlouquecem e transportam para um mundo que não há, e no fim voltamos para onde estávamos, e compreendemos que não voltámos de parte nenhuma. Os lábios separam-se e seguem o seu destino, e é tudo.
Mas pode não ser, pode haver mais. Haverá talvez outros beijos para preencherem o vazio que estará sempre pronto a recebê-los. Uma e outra vez, e outra, até que se fartem e esgotem. Só o vazio permanece intacto, só ele não se esgota nem farta. E para além do vazio, nada mais há.
E cada dia diferente dos outros será sempre igual aos outros dias diferentes. Haverá beijos ou carinho ou emoção, mãos dadas e sorrisos, ou não haverá nada disso. Tanto faz. Nada haverá no fim, nada do que houve ou se esqueceu de haver.
E a este amontoar de coisa nenhuma chamamos uma vida, vida de triunfos e fracassos que nada deixam de si, vida em que cada dia começa sempre vazio do dia anterior, caminhada estrénua do zero para o nada. Um dia a sucessão de dias termina, o vazio acaba como começou, e não haverá mais nada. O esgar fútil que inaugurou a caminhada inútil resolve-se por fim num espasmo de morte, o nada retorna ao nada sem nada entretanto ter sido. E será tudo.
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