Às armas, todos em chusma e sem temor nem quebranto, que a hora é de heroísmos. Basta de indiferenças moles, chega de prudência acinzentada, é findo o tempo do decoro sem cor e do bom-tom que não alcança mais que flácidos e gangrenados tons que de bom nada têm. Cavalguemos sob flâmulas multicolores, bradando o grito de Rolando, e em chusmas ataquemos o único inimigo, a nossa morte em vida. Prestes, lanceiros, e vós arqueiros retesai bem as cordas, que o adversário é falho de carne que se deixe retalhar pela lâmina, como de resto convém ao vero esqueleto de Tanatos, e faz-se mister que o ferro o despedace certeiro pelo osso, ou ainda o veremos triunfar. Às armas, sobre as selas de engrinaldados corcéis, que a batalha se trava entre a vida e a inércia, e quem sabe se não será esta a batalha final. Às armas, e morra quem hesitar, que quem hesita já está morto!
O inimigo, prudente e covarde, não atacou desassombradamente em campo aberto, antes se esgueirou calado pelas planícies em volta, cercando e cerrando, tudo cobrindo com o seu manto de silêncio. Acostumou as mesnadas a essa fétida quietude, ao ponto de se sobressaltarem já com o menor ruído, e emudecerem elas próprias as buzinas feitas para ecoar valorosamente no campo de lides. Olhai-os agora, tíbios e timoratos de tudo o que os perturbe. O disparo do arcabuz fá-los tremer, e o trovejar dos canhões lança-os em pânico nos braços uns dos outros, como se assim se almofadassem contra os ventos de mudança. Não ousam já dar um passo que o inimigo não sancione, não murmuram uma sílaba que não conste da cartilha. Se amam, sufocam o amor que estrebucha e se queda inerte no altar das convenções. Sofrendo acaso o dever de amar, glorificam a sua ficção para melhor servirem a estabilidade, a conveniência, a sua própria aniquilação. Pois bem, chega!
Se é já passado o tempo dos guerreiros, das armaduras e cores de batalha, sejamos então palhaços. Troquemos as flâmulas multicolores por vestes garridas e pintadas de arco-íris, seja a gargalhada o nosso brado de guerra, e o desprezo a arrogância aguerrida dos nossos dias. Saiamos desavergonhadamente à rua, gritando o que realmente queremos e sentimos, esmagando com passo marcial tudo o que devemos sentir e querer. Vivamos, porque a vida não é algo que nos pertença: é uma batalha que se ganha em cada dia em que não morremos!
E que tu, minha princesa, sejas a recompensa que busco no cimo da torre mais alta, aquela onde só heróis podem chegar.
Há que enterrar os nossos palhaços, se queremos manter um ar sério... até os elefantes, antes de morrer, têm o cuidado de o fazer em sítio adequado...
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
sábado, 7 de agosto de 2010
O pássaro esparvoado.
O pássaro esparvoado raramente prestava atenção ao que quer que fosse. Um optimismo perfeitamente ridículo dirigia o seu voo em direcção a tudo o que lhe parecesse um bom destino.
O pássaro esparvoado voou num êxtase de alegria em direcção às altas torres que se erguiam sobre as muralhas, pináculos de luz e esplendor, pensou. Tanta diligência pôs na sua empresa que acabou por voar direito às torres, que de imediato desabaram sobre ele.
O pássaro esparvoado não fará mais voos optimistas. Ajuizando pelo estado da asa que desponta de sob uma pedra mais pesada, é mesmo duvidoso que volte a alçar o voo. E antes assim, é bem melhor um pássaro esmagado que um que seja esparvoadamente optimista. O pássaro ganhou juízo, e já nem responde pelo nome de melro. E não é de crer que se meta a voar tão cedo.
O pássaro esparvoado voou num êxtase de alegria em direcção às altas torres que se erguiam sobre as muralhas, pináculos de luz e esplendor, pensou. Tanta diligência pôs na sua empresa que acabou por voar direito às torres, que de imediato desabaram sobre ele.
O pássaro esparvoado não fará mais voos optimistas. Ajuizando pelo estado da asa que desponta de sob uma pedra mais pesada, é mesmo duvidoso que volte a alçar o voo. E antes assim, é bem melhor um pássaro esmagado que um que seja esparvoadamente optimista. O pássaro ganhou juízo, e já nem responde pelo nome de melro. E não é de crer que se meta a voar tão cedo.
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