O bolo era redondo. Isto nada tem de especial, e quase não valia a pena gastarmos espaço para o dizer, muitos bolos há que são redondos, será talvez a maioria deles a cair neste caso. Registe-se todavia que o bolo era redondo, redondo e verde.
A cor verde, que predominava na cobertura, pretendia representar um verdejante pasto, onde pequenos novelos de lã retouçavam bucolicamente. Havia ainda uma casa, modesta mas bem caiada choupana de pastores, e as velas, é claro. São muito importantes, as velas, num bolo de aniversário.
O miúdo sabia já contar, e certificou-se conscienciosamente de que oito farpas de cera colorida embandarilhavam o bolo, o tal bolo redondo dos seus oito anos. Trata-se de uma idade importante, pela transição que se dá, de uma criança de sete para um homem de oito. Em certas tribos de outros continentes, o facto é assinalado com uma caçada ao urso ou ao javali, por cá limitamo-nos a soprar oito velas, espetadas num bolo que por vezes é redondo.
O sopro daqueles jovens pulmões lançou na escuridão o aplauso que finalizava a tradicional canção de parabéns, mas ainda se acendiam as primeiras luzes quando o miúdo quis repetir o ritual.
Também isto estava previsto, e o pai preparou-se para reacender os oito lumes. Foi contudo surpreendido pela acção do rapaz, que retirou da algibeira quatro amarrotados tocos de vela, os quais cravou no bolo, um pouco de esguelha. O pai acendeu sem um comentário as velas todas, e de novo se repetiu a canção, e o sopro final.
Quis no entanto o pai esclarecer melhor aquela questão das quatro velas, mas o petiz nada de estranho via nisso, eram os parabéns da irmã, que completava nesse mesmo dia doze anos. Quando lhe disseram que isso não era assim, que era ele o mais velho, retorquiu com impaciência, Não é isso, pai, estou a falar da mana, a que não nasceu. A que vocês não quiseram que nascesse, lembras-te?
É certo que o pai compreendeu, mas como podia o miúdo saber de algo que todos ignoravam, e que se passara quatro anos antes de ele ter vindo ao mundo? Tentou debilmente dissuadir o rapaz, mostrar-lhe que não, que nenhuma irmã existia, mas a criança sorriu com alguma tristeza, e disse, É claro que existe, pai, como querias tu que eu, com oito anos, conseguisse soprar sozinho doze velas?
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