quarta-feira, 23 de junho de 2010

Astrologia, essa ciência perdida.

Está muito na moda, nestes tempos ditos científicos, menosprezar as milenares verdades espirituais, trazidas até nós, mortais sem rumo, por práticas ancestrais como a astrologia, o tarot e o jogo da malha. Proponho-me, numa breve série de posts, restituir a dignidade e a importância a todos estes métodos de conhecimento, começando hoje pela astrologia. Obedecendo a diversos pedidos, o próximo post será dedicado ao jogo da malha.

Pretendem uns quantos iluminados que não há qualquer fundo de verdade na astrologia, e que ninharias absurdas como o código genético e o facto de ter sido abusado em criança serão mais determinantes na formação do indivíduo do que, digamos, o paradeiro de Plutão no momento em que a respectiva mãe abriu as pernas, arrependida já de o ter feito nove meses antes. Ora bem, nada há de mais disparatado.

Os planetas são tudo para nós, comandam o nosso destino e determinam a nossa vida. A única razão porque temos DNA é o facto de ser extremamente difícil colocar um planeta como, digamos, Úrano, dentro do núcleo de uma célula de tamanho vulgar. Assim sendo, o Ser Supremo (não confundir com o ser supremo, que isto sem as maiúsculas perde o efeito todo), mas dizíamos, o Ser Supremo determinou que os planetas exercessem à distância o seu efeito modelador. O que acabou por se revelar uma decisão bastante prática, já que os planetas disponíveis, qualquer coisa como nove ou dez, ficam bastante aquém da procura, que se cifra em cerca de sete mil milhões de almas, todas elas munidas dos respectivos corpos.

A influência dos planetas é patente para qualquer pessoa que encare o assunto sem preconceitos. Assim, verifica-se vezes sem conta que pessoas nascidas sob o signo de Saturno são saturninas, sendo diabólicas as que nascem na sombra de Plutão, quentes as que têm Mercúrio por ascendente, áridas as que dependem de Marte, monstruosamente obesas as que viram o mundo quando Júpiter imperava, e se conhecerem alguma miúda gira que tenha nascido sob a égide de Vénus, mandem-na ter comigo, que eu também dou aulas particulares.

Mas os planetas, importantes como são, não esgotam a essência da astrologia. As constelações desempenham um papel fundamental nestes casos, e é aqui impossível não denunciar as intenções sinistras de todos aqueles que, para servir os seus interesses particulares, persistem em omitir algumas das mais importantes. Só a título de exemplo, toda a gente conhece a Ursa Maior e a Ursa Menor, mas quantas vezes se fala da Ursa Bebé, e da constelação da Miúda Assanhada Com Os Caracóis Dourados Que Lhes Vai Comer As Papas? Estas são sempre omitidas. Como prova, desafio qualquer leitor a dizer-me que já tinha ouvido falar nelas.

Vez por outra ainda se verifica uma ou outra fuga: ainda recentemente, um proeminente ornitólogo cometeu o imperdoável solecismo de referir a constelação do Urso Barnabé, o que lhe valeu o ostracismo generalizado. É de crer que venha a pagar o preço da sua ousadia, e nunca mais volte a escrever sobre pássaros. Mas é já tempo de parar com este silêncio cúmplice, e divulgar a verdade.

Ora recoste-se o leitor num verdejante relvado, por uma límpida noite de Verão. Liberte a sua mente das preocupações mundanas, coisas como as contas cada vez mais altas, os problemas que o assolam no trabalho, e o facto de ter cagado irremediavelmente o seu melhor fato claro, e contemple as estrelas que brilham sobre si. Cedo compreenderá que há muitas constelações, muito mais do que as que lhe foram descritas na escola. Forçoso é reconhecer que nem todas têm a mesma importância. Aquelas três estrelas que ali ao fundo se perfilam num triângulo estreito, uma de cada lado e a terceira em baixo, a meio, não são para levar a sério – trata-se da constelação da Tanga. Mas muitas há que são predominantes nos destinos da humanidade. Veja-se a constelação do saca-rolhas, aquelas sete estrelas numa perfeita linha recta. Tome-se como exemplo a constelação da Trotineta – duas estrelas que ocupam, com uma precisão inacreditável, o lugar dos cubos das rodas. Atente-se na constelação do vendedor de pipocas, uma linha recta com uma estrela por cima, figurando aquela última pipoca, metáfora do destino último da humanidade. Concentremo-nos por último nessa constelação mais complexa, o Gay Com Hemorróidas. Haverá coisa mais expressiva que aqueles dois segmentos verticais que aparentam encostar-se, e do meio dos quais nasce uma chuva de estrelas cadentes? Quem, numa perfeita honestidade, poderá negar intenção e propósito a este espectáculo celestial?

Mas e os homens, perguntam-me. Em que medida esse fulgor de átomos de hidrogénio que diariamente encenam o seu orgasmo nuclear nos pode afectar a nós, pobres mortais? Pois bem, é extremamente simples. Todo este bailado cósmico vem a traduzir-se em doze signos, pelos quais se divide a humana gente. Cada signo tem o seu destino próprio, bem conhecido daqueles que estudaram a sabedoria dos antigos mestres, que a adquiriram dos seus antigos mestres, o que torna pouco claro de onde veio aquilo em primeiro lugar. Mas é sabedoria, pelo que são fúteis quaisquer questões adicionais.

Isto de dividir a população em doze partes iguais tem pelo menos duas tremendas vantagens. Por um lado facilita as previsões – é mais fácil prever o futuro de doze do que de sete mil milhões. Por outro lado, dificulta as críticas. Tudo considerado, ninguém gosta de usar a palavra “duodécimos”. Não, a sério, é uma palavra soez. Na escola onde eu andei, podia-se apanhar uma tareia só por dizer coisas bem mais inofensivas do que “duodécimos”.

Mas as vantagens dos signos são inegáveis. Lendo um trivial horóscopo, ficamos a saber que, de cada grupo de mil e duzentas pessoas, uma centena vai encontrar o verdadeiro amor, outra centena vai perder o emprego, uma terceira centena, enfim, vai partir um membro importante numas férias na neve. Fosse eu administrador de uma empresa com mil e duzentos trabalhadores, e faria questão de me manter a par dos horóscopos. Começava por despedir os cem condenados ao desemprego, que diabo, o horóscopo já os devia ter avisado. Depois despedia os cem da perna partida, que a fábrica não é nenhum asilo de inválidos. A esses juntaria os cem apaixonados, é sabido que um homem apaixonado não produz. Depois disso era uma questão de acompanhar os horóscopos, até encontrar um signo que dissesse, “ a mulher do seu patrão vai apaixonar-se por si”. Quando esse momento chegasse só teria de organizar uma carreira de tiro, com os nativos desse signo a desempenharem um papel de destaque.

Nota: não pretendi ofender ninguém com este post. Os adeptos da astrologia têm tanto direito de acreditar nela como eu tenho o direito de dizer que é uma palermice. Liberdade é isso mesmo. E enquanto os astrólogos não formarem uma organização destinada a sacar ao estado uma fatia dos meus impostos, não tenho problema nenhum com eles. Para as pessoas que prezo, e que sei que têm uma opinião diferente sobre o tema, faço minhas as palavras de John Lennon: “whatever get’s you through the night, it’s alright”.