Começo a convencer-me que é uma lei da natureza – eu e as estações do ano não nos damos bem. De quantos Dezembros cantei já os dias de sol brilhante e frio, a árctica emulação de um Verão primaveril, o despontar de promessas fora de tempo? E agora que o Verão se estabeleceu em toda a sua abrasadora canícula, que as praias estalam de corpos grelhando no estival braseiro, não é que dou por mim descendo uma rua de Outono, entre arvoredos doirados e fulvos, a que uma brisa fresca vai já desfolhando a chama e o ouro?
É uma jornada alegre e bem-disposta, assim empreendida entre amigos e amores, bem cercado dos favores e lealdades em que um coração se compraz. Os troncos que balizam a vereda que desce para o mar adoptam posturas quase bonacheironas, assim grossos e nodosos, exibindo com deleite as suas cabeleiras de fogo. Apoio-me ao ombro que me ladeia, mas escorrego, o ombro não está lá. Um choque, decerto, e um desequilíbrio, mas há sempre outro lado onde me posso apoiar. E assim a jornada prossegue, coxa decerto, mas sempre feliz. E as árvores soltam como sempre as suas folhas de Outono, e guardam as suas cabeleiras de chama.
Vem depois um dia, o dia inevitável, em que todo o apoio se desvanece. É chegado o tempo de compreender que ninguém desce comigo a rua do Outono, que só com dois ombros posso contar, e esses são os meus. E espanto-me então da minha arrogância, de ter pensado um dia que havia mais do que isso. O Verão é um tempo de camaradagem e amizade, mas todos descemos o Outono sozinhos.
Não faz mal, não é sequer grave. Exige um pouco de tempo, é certo, como qualquer realidade. Cedo compreendo que me cabe descer essa rua direito, sem me apoiar a nada ou ninguém. Muitas vezes cambaleei nessa avenida, onde ainda agora me desequilibrei ao estender a mão para o ombro que não estava lá. Mas já recuperei o equilíbrio, e não corro mais esse risco. Agora sei que estou só, não preciso de confiar em ninguém, nem de voltar a tropeçar.
Perdi uns metros nesta jornada, mas ganhei firmeza. Mentiram-me e recebi a mentira em face, mas ganhei sabedoria. Perdi falsos apoios, ganhando a certeza que o único apoio verdadeiro está em mim.
À minha frente estende-se a longa estrada de Outono, doirada e rubra como o fim de um Verão que ainda mal começou. Sei que a percorrerei até ao fim. Agora já não tenho dúvidas, nem preciso de perguntar a ninguém qual é o meu caminho.
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