Já não acredito em nada. Fui acreditando em menos coisas a cada dia, e hoje não acredito mesmo em nada. É uma chatice não acreditar em nada, fica-se logo sem grande coisa para dizer, até porque não há grande coisa depois do nada. Queria contar uma história, acho que vou mesmo contá-la, mas honestamente não sei se acredito nela. E, no entanto...
Esgueirando-se por entre jornas de um Outono molhado de Inverno, deu-se por artes de fadas e magia um dia radioso de sol e alegria, um dia de fresco Verão, leve e prazenteiro. Por todo esse improvável dia perpassava uma felicidade e leveza como só se encontra em terras de legenda, nas mágicas terras dos elfos e hobbits. E deu-se justamente que um hobbit, ou pelo menos quase um hobbit, uma criatura tão insignificante como um hobbit, mas com um penteado mais decente, adentrou as fronteiras do reino vizinho, terras de Lisboa e Japão, nações estas quase irmãs.
Tal como o seu congénere de uma saga semelhante, também este buscava um vulcão onde derreter o seu anel, aquele anel de poder que forças diabólicas haviam em longínquos tempos forjado. O vulcão não se fez rogado, e nele o hobbit se perdeu ganhando-se a si próprio. Por longos momentos (quem saberá dizer quantos, senão quão poucos), se foram aqueles dois seres de quimera e fantasia ardendo um no outro, a fulgurante chama velada em propício desfiladeiro. Foi a alegria das chamas rompida pelas inesperadas fauces de um monstro, tenebrosa criatura que do nada surdia para os apavorar. O Vulcão gelou por momentos, chegou o hobbit a cambalear desamparado, mas um no outro se recompuseram, e à avantesma opuseram fero combate, do qual saiu malferida a insalubre criatura. E assim se apartaram os feéricos amantes, o vulcão para o seu ígneo leito, o hobbit para as suas florestas enfeitiçadas.
Apenas não estavam lá, essas florestas. Em vez dos seus verdejantes esgalhos e ramagens, viu-se o hobbit projectado em árido deserto, como pela mão de malévolo ciclone. E ainda lá anda, a criatura dos bosques e florestas, arquejando na privação de florestas e bosques. Valha-nos pelo menos que aprendeu a sua lição, e não acredita mais em coisa nenhuma. Descreu de ramagens e pássaros, de sóis radiosos brilhando em riachos cristalinos, de luas túrgidas revendo-se por noites claras em lagoas profundas e radiosas, onde inspiradas rãs fazem concerto com grilos e cigarras. Em nada disto o hobbit acredita já, em nada senão no deserto sem fim, a sua sina que negros fados teceram, e sobretudo no seu vulcão, o vulcão que é a sua outra metade, que nunca deixará de ser o seu outro eu, a sua vida e razão de ser. E quem saberá dizer, nestes confusos meandros de fantasia e ilusão, se não será mais feliz assim!
2 comentários:
Os vulcões são uma bênção disfarçada. Após anos de aridez causados pela sua erupção, o solo por eles inundado renova-se numa fertilidade e riqueza sem igual. Já os desertos e os ciclones, bem sabemos que só fazem porcaria...
Enviar um comentário